A “Poetisa” – Idalina do Amaral Graça

A “Poetisa” – Idalina do Amaral Graça

A Solitária de Iperoig, pseudônimo de Idalina do Amaral Graça, foi, indiscutivelmente, uma das personagens mais notáveis e marcantes na vida de Ubatuba. Nascida em Ilhabela, quando o litoral norte se debatia na mais angustiosa crise de decadência, órfã, ainda na infância, enfrentando no seio da família sérios problemas de sobrevivência, sem meios de frequentar a escola primária, na qual não conseguiu ao menos dois anos de comparecimento, a ela só cabia seguir o exemplo dos jovens caiçaras daquele tempo: emigrar. Ir para Santos onde facilmente encontraria mercado de trabalho e, consequentemente, sorriam promessas de dias mais tranquilos, mais felizes.

Idalina Graça - Fonte: Museu de Ubatuba
Idalina Graça – Fonte: Museu de Ubatuba

Foi assim que Idalina, em tenra idade, totalmente só, ignorante, desprotegida, abandonada ao léu, soube enfrentar a cidade grande, com todas as vicissitudes, todos os seus vícios e misérias, e, com galhardia, de ânimo forte e cabeça erguida, pôs-se a lutar na esperança de atingir destino melhor. Enfrentou o pior. Foi empregada doméstica. Vagou de casa em casa suportando, sem meios de reação, admoestações, reprimendas e a interminável série de injustiças que só acontecem aos fracos e desprotegidos.

Casa de Idalina - Ubatuba 1906
Casa de Idalina – Ubatuba 1906

Mas, no decurso dessa penosa caminhada, sempre que podia suavizava sua desdita na leitura de todo material impresso que lhe chegava às mãos, desde retalhos de jornais até compêndios que obtinha por empréstimo de raras pessoas compreensivas, das quais conseguia se aproximar. Foi esta a sua escola, foi assim que conseguiu acumular algum conhecimento, para que, no futuro, pudesse extravasar em rústicas palavras toda a sensibilidade que lhe transbordava da alma! Certo dia o destino apresentou-lhe aquele que seria o fiel companheiro de seus dias pela vida afora, Albino Alves da Graça, igualmente caiçara, natural de Ubatuba, que também lutava por melhores dias na mesma cidade praiana.

Idalina Graça - Primeira escritora de Ubatuba
Idalina Graça – Primeira escritora de Ubatuba

Casados, mas desambientados na trepidação da cidade grande e saudosos do bucolismo das regiões em que nasceram, vieram para Ubatuba, onde, depois de pouco tempo como comerciantes na Enseada, estabeleceram-se com pequeno e modesto hotel na cidade, no Largo da Matriz, no qual Idalina se multiplicava no desempenho de todas as tarefas, desde faxineira, arrumadeira, lavadeira, até cozinheira.

Hotel de Idalina Graça - Década de 1940 - Ficava onde hoje é o Teatro Municipal no antigo Largo da Matriz -Fonte Blog Ubatubense
Hotel de Idalina Graça – Década de 1940 – Ficava onde hoje é o Teatro Municipal no antigo Largo da Matriz -Fonte Blog Ubatubense

Quando o hotel esvaziava, porque raros visitantes procuravam Ubatuba naquele tempo, Idalina lia e escrevia. E escrevendo às ocultas, passava para o papel o rico manancial de sua fértil imaginação. E quantas vezes, atravessando a praça ia à minha farmácia, que ficava em frente ao hotel, para que eu datilografasse admiráveis páginas literárias, rústicas na forma, mas de conteúdo transbordante de lirismo e poesia.
– Estou guardando todos os meus escritos – ela me dizia – porque um dia hei de publicá-los.

Livros de Idalina Graça
Livros de Idalina Graça

E assim aconteceu. Willy Aureli, o sertanista desbravador dos sertões de Goiás e Mato Grosso, o brilhante jornalista paulistano, seu hóspede frequente e seu amigo íntimo e fraterno, rebuscando guloseimas nas prateleiras da cozinha, encontrou seus originais atulhando o repositório de uma lata vazia. Foi, portanto, Willy Aureli quem, burilando-as, levou suas produções às páginas dos jornais da Capital, tornando conhecida aquela que passou a ser denominada “Escritora Letrada” – a Solitária de Iperoig.

E nessa condição acercou-se de grande número de amigos e admiradores, literatos como ela, entre os quais, além de Willy, destacavam-se Monteiro Lobato, Virgínia Lefevre, Paulo Florençano, Evaldo Dantas, Wladimir Piza, Guisard Filho, Audálio Dantas, Urbano Pereira, Luiz Ernesto Kawall, Cesidio Ambrogi, Gentil de Camargo e tantos outros, com os quais manteve estreito e cordial relacionamento. Não sabemos ao certo o número de visitas que Monteiro Lobato fez a Ubatuba, porém é certo que a primeira que fez a Idalina Graça em agosto de 1941, foi devidamente registrada pela anfitriã caiçara no livro “Terra Tamoia”.

Saudade de Ubatuba por idalina Graça - Livro Ubatuba de Justo Arouca
Saudade de Ubatuba por Idalina Graça – Livro Ubatuba de Justo Arouca

Após o falecimento de seu marido, sentindo-se só, e sem descendentes, desprendida como sempre foi, doou seus poucos haveres, sua casa, seus utensílios, aos menos favorecidos, com a preocupação de fazer o bem aos pobres, fracos, desamparados e enfermos, enfim, a todos quantos necessitassem de uma mão amiga ou de uma palavra de consolação. Surpreendentemente, com toda essa gama de encargos e preocupações, de trabalhos e sofrimentos, Idalina ainda encontrava momentos para pensar e escrever! Foi respeitada e reconhecida pelos escritores de Ubatuba, a prova disto é que em 1982 o Concurso de Poesias da Cidade passou a chamar-se Idalina Graça.

Idalina do Amaral Graça na ponte da Barra dos Pescadores
Idalina do Amaral Graça na ponte da Barra dos Pescadores

Poesia de Idalina: Ubatuba
No passado Ubatuba brincava
Sobre o verde do farto valado
E seus filhos nativos folgavam
Sob a luz de um sol mais dourado
Adiante a serra encantada
Recortava dentro o sertão
E os homens cansados oravam
Contemplando o azul da amplidão
Portugueses em busca de ouro
Se detinham exaustos com fome
Mas a glória acenava de longe
Liberando o brasão do seu nome
E a lendária Ubatuba avançava
Progredindo na vida fértil
Realizada nos dias de hoje
Para orgulho do nosso Brasil
É a Ubatuba de ontem que vive
Na história feliz da nação
Procurando nas lutas da vida
Trabalhar ajudar outro irmão
Avançai bandeirantes tamoios
Irmanados no mesmo ideal
Ostentando o mesmo estandarte
Povo amigo da glória real.

Com a ajuda de amigos dedicados, entre eles o Mecenas brasileiro, Francisco Matarazzo Sobrinho, editou seu primeiro livro, intitulado “Terra Tamoia”, preciosa obra literária, e posteriormente editou “Bom dia Ubatuba”, e dava andamento a uma terceira obra quando a morte traiçoeira veio arrebatá-la do nosso convívio. Esta, é a história da “Solitária de Iperoig”, Idalina do Amaral Graça, mulher excepcional, de passagem marcante na história de Ubatuba. Tem seu nome homenageado em rua na Praia das Toninhas e em escola de Ubatuba: EMEI Idalina Graça.

“Povo que não tem memória, não tem nada pra contar”, que se diga e repita esta frase essencial de Idalina Graça, a primeira escritora de Ubatuba.

Fonte de informações: Livro Ubatuba – Lendas & Outras Estórias – Washington de Oliveira (Seu Filhinho)