Praias Arenosas: Seriam desertos de biodiversidade?

Praias Arenosas: Seriam desertos de biodiversidade?

As praias arenosas podem ser verdadeiros paraísos de bem estar e lazer para nós humanos. Entretanto, o nosso fascínio por elas pode ser ainda maior quando conhecemos a complexidade desse ecossistema! As praias são uma interface entre o ambiente marinho e o terrestre, onde os fatores climáticos e oceanográficos agem constantemente. Parece até impossível pensar que alguns organismos vivem ali. Mas acreditem, além de belos cartões postais, as areias aparentemente desertas das praias são o lar de criaturinhas fascinantes!

Caranguejo Ocypode quadrata, um dos habitantes da praia arenosa, conhecido popularmente como maria-farinha. Fonte: Hans Hillewaert/WikimediaCommons (CC BY-SA 4.0).
Caranguejo Ocypode quadrata, um dos habitantes da praia arenosa, conhecido popularmente como maria-farinha. Fonte: Hans Hillewaert/WikimediaCommons (CC BY-SA 4.0).

São diversos invertebrados com incríveis adaptações morfológicas, fisiológicas e comportamentais para resistirem à hostilidade contínua das ondas, dos predadores e o sobe e desce das marés. Quase não os vemos, por que eles respondem muito rápido aos estímulos ambientais e são hábeis em cavar tocas para se esconder. Alguns destes organismos vivem entre os grãos de areia, são chamados de infauna (‘a fauna de dentro’). Além dos organismos enterrados na areia, há vários outros que fazem visitas ocasionais.

Tipos de Praias
Existem diferentes tipos de praia. As praias mansas (dissipativas ou duras) costumam abrigar mais biomassa do que as praias de alta energia (refletivas ou de tombo). As espécies se distribuem de acordo com suas adaptações e estratégias em faixas, regiões (ou zonas) verticais distintas, de acordo com a exposição da praia às marés.

As Subdivisões da Praia em Zonas
Ainda longe da água, pisamos a areia seca, acima do limite da maré alta. Esta é chamada região Supralitoral ou Supramarés. Pode haver vegetação arbustiva ou herbácea adaptada aos borrifos de água salgada (o jundu e a restinga). Este ambiente abriga aves migratórias e de rapina, que se alimentam de pequenos vertebrados e invertebrados. Nesta zona encontramos caranguejo Maria-Farinha (Ocypoda quadrata), de coloração amarelada. Ele é detritívoro e de hábitos geralmente noturnos. Sensíveis ao clima, cavam tocas com quase um metro de profundidade.

A região Entremarés ou Mesolitoral, é aquela onde as ondas espraiam, está sempre úmida e sempre muda de comprimento de acordo com as marés. Encontramos aí grande variedade de espécies escavadoras adaptadas a resistir ao arrasto e embate das ondas, ao dessecamento, e a respiração com baixo oxigênio no espaço intersticial da areia. Alguns organismos cavam grandes galerias onde se reproduzem e retêm alimentos trazidos pela água. Além de diversas espécies de moluscos gastrópodes que aí vivem, existe um crustáceo conhecido como Corrupto (Callichirus major), exímio escavador de toca, com média de 1,5 m de profundidade. Suas galerias fornecerem condições favoráveis ao estabelecimento de diversas espécies simbiontes como caranguejos, bivalves e copépodes.

Praias-arenosas-Lencioni-Neto.pjg_
Ilustração apresentando a praia arenosa e a diversidade de organismos que a habitam Praia-arenosa-Imagem de Lencioni-Neto.pjg_

O infralitoral raso é a região onde a areia quase nunca fica exposta, raramente em marés muito baixas. Abriga a maior diversidade de espécies não adaptadas a excursões fora da água, entre elas: siris, caracóis, estrelas do mar, bolachas do mar e peixes. As praias são também o berçário de outras espécies, como a tartaruga marinha. Apesar de passarem desapercebidos aos visitantes, os animais das praias arenosas são importantes constituintes do complexo ecossistema marítimo. As praias arenosas estão também sujeitas aos impactos da exploração e poluição humana. É preciso conhecer para preservar!

Artigo técnico postado em: https://www.bioicos.org.br/post/praias-arenosas-seriam-desertos-de-biodiversidade

Por: Rodrigo Ilho e Douglas Peiró
Revisão: Thais R. Semprebom

Referências
AMARAL, A. C. Z. et al. Workshop “Avaliação e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade da zona costeira e marinha” In: ______ (Coord.) Diagnóstico sobre praias arenosas. Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal-MMA, 1999.

AMARAL, A. C. Z.; RIZZO, A. E.; ARRUDA, E.P. Manual de identificação dos invertebrados marinhos da região sudeste-sul do Brasil. Edusp, 2006.

AMARAL, A. C. Z.; NALLIN, S. H. Biodiversidade e ecossistemas bentônicos marinhos do Litoral Norte de São Paulo, Sudeste do Brasil. Campinas, SP: Unicamp. 2011. 573 p. Disponível em: <www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=000812694>. Acesso em: 07 jan. 2017.

BRANCO, J.O. et al. Bioecology of the ghost crab Ocypode quadrata (Fabricius, 1787)(Crustacea: Brachyura) compared with other intertidal crabs in the southwestern Atlantic. Journal of Shellfish Research, v. 29, n. 2, p. 503-512, 2010.

BREGAZZI, P. K.; NAYLOR, E. The locomotor activity rhythm of Talitrus saltator (Montagu) (Crustacea, Amphipoda). Journal of Experimental Biology, v. 57, n. 2, p. 375-391, 1972.

FESTTI, L. Aves do ambiente praial. 2011. 72f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Conservação). Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. Disponível em: <http://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/26212>. Acesso em: 07 jan. 2017.

LENCIONI NETO, F. As praias arenosas. Série Ecossistemas Brasileiros. Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Ecologia Geral. 1993.

PEIRÓ, D. F., MANTELATTO, F. L. Avaliação do calianassídeo Callichirus major (Say, 1818) sensu lato. In: PINHEIRO, M. & BOOS, H. (Org.) Livro Vermelho dos Crustáceos do Brasil: Avaliação 2010-2014. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Carcinologia, 2016, p.103-112.

SILVA, V. M. A. P. da, GROHMANN, P.A. & ESTEVES, A.M. Aspectos gerais do estudo da meiofauna de praias arenosas. In: ABSALÃO, R.S. & ESTEVES, A. M. (eds). Oecologia Brasiliensis III: Ecologia de praias arenosas do litoral brasileiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 67-92.

VIEIRA, J. V. Efeitos dos distúrbios antrópicos associados ao uso recreativo na fauna de praias: implicações para o manejo e conservação. 2015. 156f. Tese (Doutorado em Ecologia e Conservação). Setor de Ciências Biológicas, UFPR Universidade Federal do Paraná. Curitiba, jun. 2015.