Um pouco da História do Surf em Ubatuba

Um pouco da História do Surf em Ubatuba

História extraída do Blog do Dragão – Reinaldo Andraus
Ubatuba foi o palco dos primeiros grandes festivais nacionais de surf no início dos anos 1970, a região e suas maravilhosas praias têm uma ligação marcante com o surf brasileiro. A Praia Grande foi o palco destes campeonatos embrionários, depois passou o bastão para Itamambuca, uma das praias de ondas mais consistentes e boas em todos os 8.000 Km da costa brasileira. Em agosto de 2015 a Praia Grande voltou a sediar um evento de porte nacional, protagonizando o retorno do “Super Surf” para as praias de Ubatuba.

A vocação de Ubatuba como uma das “capitais” do surf brasileiro pode ser aquilatada desde 1970, quando foi organizado o primeiro campeonato na Praia Grande, só para locais, vencido por Paulo Issa. Foi ele quem criou o conceito dos “Festivais de Surf” no Brasil e em 1972 nascia o primeiro evento nacional. Foram vários os importantes surfistas que ajudaram a solidificar a reputação de Ubatuba como “Surf City”. Fábio Madueño Silva foi um dos pioneiros do surf na região, ao lado de Paulo Issa e seu irmão Ricardo Issa, Dhu Neumann, Olavinho, Dr. Camargo, Bruzy, os irmãos Olmair e Betinho Medeiros, os Orcesi e outros. Fabinho, conta que ainda nos anos 1960, junto de alguns amigos compraram 10 pranchas Glaspac (Surfboards Santo Amaro) em São Paulo e começaram a alugá-las na Praia do Tenório. Muitos surfistas de Ubatuba começaram a surfar com estas pranchas.

A História do Surf Brasileiro

Ubatuba também é o celeiro de grandes fotógrafos de surf e o mais célebre deles é Klaus Mitteldorf, um pioneiro da fotografia de surf no Brasil. Klaus e Alberto (Cação) Sodré eram vizinhos em casas na Ponta Grossa, bem ao lado de onde a Laje do Patieiro rosna, quando o mar fica grande de leste. Além de Klaus e Cação, Ubatuba tem outros grandes fotógrafos, como Tony Fleury, que se mudou de Sampa para Ubatuba e James Thisted. Há diversos outros, com destaque para a dupla Daniel Smorigo e Aleko Stergiou que inclusive abriram a Galeria Fisheye no Itaguá.

Campeonatos de surf no Brasil começaram a ser organizados no Rio a partir de 1965, em São Vicente e no Guarujá a partir de 1967, porém o primeiro evento nacional, um marco na história do surf brasileiro, foi o Campeonato de Ubatuba de 1972. Os festivais de surf dos anos 1970 abriram o precedente para que o esporte viesse a se transformar em um dos mais bem organizados e estruturados, inclusive em nível internacional. Tivemos eventos que foram realizados nos anos 1970 em Ubatuba e Saquarema. Não havia circuito brasileiro e os vencedores destes campeonatos (anuais), angariavam um respeito de “Campeão Nacional de Surf”. Foi o grande momento de congregação da tribo. Uma oportunidade de troca de experiências e alta evolução de performance.

Na época, o contato que o Brasil tinha com as forças internacionais do surf: Havaí, Califórnia, Austrália e até o Peru que já estava bem mais avançado que o Brasil e tinha um campeão mundial: Felipe Pomar em 1965, era mínima. As informações vinham principalmente através das revistas. Filmes eram raros e poucos brasileiros, como Penho, haviam tomado contato com o cenário internacional.

Ricardo Issa em Itamambuca – Foto de Klaus Mittledorf

Nasce o Festival de Ubatuba
Paulo Jolly Issa e seu irmão Ricardo foram pioneiros do surf paulista. Começaram surfando com uma prancha de madeirite, no ano de 1966 em São Vicente. desbravaram as praias de Ubatuba e estabeleceram um padrão nacional para a organização de campeonatos de surf. Paulo Issa pesquisou regras, foi juiz, fundou a ASU (Associação de Surf de Ubatuba) e atingiu a presidência da ABRASP em 1988. Um “professor” em termos de fazer um evento de surf acontecer como um relógio suíço. Como trabalho principal dirigiu a fábrica de pranchas Squalo, trabalhando com diversos “shapers”. A fábrica orbitava ao redor deste universo, Paulo chegou a investir capital da Squalo para manter a ASU operando.

História por Paulo Issa
“Nos anos 1950, 60 e 70 o surf estava em ebulição. Fatos novos aconteciam a todo o instante. Novos picos, evolução das pranchas, surfwear, campeonatos maiores. Em 1970 foi realizado um primeiro campeonato em Ubatuba, quem organizou foi um pessoal da Boate Da Pesada, frequentada pelos surfistas de noite na Praia do Centro. O primeiro evento teve vinte e poucos participantes, só o pessoal que surfava em Ubatuba. Aconteceu no Baguary, canto esquerdo da Praia Grande e os juízes sentavam em cadeiras de alumínio. Eu acabei ficando em primeiro, com meu irmão Ricardo Issa em segundo, na final ainda estavam Renato e o Fabinho Madueño. O Bruzzy era o mascote da turma com 13 anos.

Primeiro campeonato de surf em Ubatuba – 1970

Para o segundo campeonato, em janeiro de 1971 eu e meu primo fizemos umas cartolinas, escrevemos à mão: ‘Campeonato de Surf – Ubatuba’ e fomos de Fusca, saímos às 6 da manhã, fixamos os cartazes em uma sorveteria no centrinho do Guarujá e fomos embora para Ubatuba. Eu lembro que um dia antes do campeonato, estávamos treinando ali na Praia Grande e de repente vimos uma caravana, com diversos carros com pranchas na capota. A turma veio!!! Uma galera de uns quinze em três a quatro carros. Veio Égas, Roberto Teixeira… O Thyola foi um dos juízes. Égas Muniz Atanázio era o favorito, mas quem acabou ganhando foi o Zé Maria Whitaker. O Égas tinha um surf australiano, ele estava com uma São Conrado biquilha, de rabeta larga e fazia manobras que ninguém conseguia igualar.

No final de 1971 criei a ASU – Associação de Surf de Ubatuba, já pensando no campeonato de 1972. Desta vez, produzimos cartazes com silk. Pegamos o carro e fizemos a mesma coisa, mas em três finais de semana diferentes, para Santos, depois o Rio e também Guarujá. Consegui inserir chamadas na Rádio Mundial do Rio. Veio bastante gente. O segundo campeonato foi em barracas, mas para este terceiro evento já consegui um palanque com a Prefeitura de Ubatuba. Fizemos duas fases e as ondas ficaram muito pequenas, lembro que subi em cima do palanque e falei: o campeonato está adiado para julho.”

A aventura do Guarujá até Ubatuba
Naquele janeiro de 1972, Paulo Issa não teve outra opção. Vou deixar aqui um relato particular de minha experiência. Também vi aqueles cartazes na sorveteria do centrinho do Guarujá. E ouvi meus amigos, que haviam participado do campeonato de 1971, apenas com surfistas de Ubatuba e do Guarujá, falarem muito bem do astral da competição. Em 1972 eu sabia que o evento seria nacional e teríamos a oportunidade de ver os cariocas surfando. Eu tinha 15 anos, surfava há três anos e numa manhã de janeiro parti com meu pai e meu irmão. Do Guarujá fomos até Bertioga atravessamos a balsa e seguimos por 100 quilômetros de terra e areia, até a cidade de São Sebastião. Nesse trecho a Rio-Santos era uma estrada de terra, a serra de Maresias enlameada era um “Deus nos Acuda”.

Nos trechos iniciais das praias maiores, Bertioga, São Lourenço, Itaguaré, Guaratuba e Boraçéia o carro descia para a areia e disparávamos por aquelas praias amplas e desertas. O problema ali eram os diversos riachos que desciam até o mar, às vezes cavavam degraus perpendiculares à praia e o carro saltava se atingisse um desses em alta velocidade. O problema maior era na maré cheia, muitos carros foram engolidos nesse percurso. Ao chegar nos morros que separavam as praias tínhamos de voltar para a estrada de terra subindo naqueles “areiões” fofos, que também eram outra armadilha convidando para uma atolada. Fazia parte da aventura. O pior foi quando no início da tarde enfrentamos uma chuva de verão daquelas. O trecho final, de Maresias até São Sebastião, quase todo em serrinhas de sobe e desce, foi realizado a 20Km/h, com derrapagens controladas. Sorte que meu pai era um bom piloto. Mais um festival, um verdadeiro campeonato, de curvas de Caraguá até Ubatuba, agora no asfalto, quando o carro apontou na Praia Grande já era noite. Sete, quase oito horas depois que saímos do Guarujá, vimos o palanque, algumas barracas, mas fomos procurar um hotel no centro.

Descubra mais a história nesta enciclopédia do Surf Brasileiro – Reinaldo “Dragão” Andraus

Na manhã seguinte o 3º Campeonato de Surf Ubatuba 1972, o primeiro “Festival Nacional” começou em ondas bem formadas de meio metrinho no canto esquerdo da Praia Grande. O surfista que mais me chamou a atenção por sua apresentação foi Rico de Souza, com estilo ágil, buscando aproveitar todas as seções da onda, fazendo “hang fives strech”, com cinco dedos no bico de sua pranchinha. Daniel Friedmann, Carlos Mudinho e outros que eu nem sabia quem eram, me impressionaram. Meu ambiente de surf era o da Praia de Pitangueiras no Guarujá. Lá havia grandes surfistas como Roberto Teixeira, Égas, Zé Roberto Rangel, mas o nível dos surfistas cariocas era muito superior. Passei uma bateria e perdi na segunda fase. O campeonato foi paralisado por falta de ondas. Um amigo do Guarujá me convidou para ir conhecer uma “praia secreta”. Paulão (Paulo Kristian Orberg) tinha uma VW Variant e partimos para Itamambuca, por uma estrada sinuosa, com pontes de madeira e muita mata. Quase uma hora depois chegamos na desembocadura de um rio e incrível!!! Ondas de um metro e meio abriam lisas e perfeitas. A Praia Grande estava praticamente flat. Só nós dois na água, por mais de uma hora, apenas uma mutuca apareceu no “outside” nos perseguindo. O jeito foi driblá-la com uma série de “cutbacks”.

Esse pico secreto não seria guardado à sete chaves por muito tempo. Não fui para o Festival de Ubatuba em 1973, mas no evento de 1974, quando voltei, ele foi todo disputado lá, em altas ondas. Lembro de uma cena que ficou gravada em minha cabeça. Nas seções de “free surf” antes do campeonato, um surfista do Rio de Janeiro pegou um tubo alucinante, na minha cara, em uma direita na boca do rio. Fui perguntar quem era: Marcos Berenguer. Ele acabou vencendo aquele campeonato de 1974.

1974 – Daniel Friedmann em Itamambuca | Foto de Klaus Mittleldorf

Os Primeiros Nacionais de Ubatuba
Em julho de 1972, quando a turma voltou a Ubatuba, em pleno inverno, a fama do campeonato estava angariada, além dos surfistas que estiveram lá em janeiro, apareceram muitos mais, até de outros estados. Paulo Issa: “Começamos da estaca zero, vieram muito mais surfistas. O Rico venceu, o surf dele era muito evolutivo, andava com uma velocidade incrível, usava muito a parte da frente da prancha. Nestes primeiros eventos julgávamos em cadeirões e a preocupação maior era ir atrás das melhores ondas.” Resultados do Festival Brasileiro de Surf de Ubatuba (1972): 1° Rico de Souza (RJ), 2º Marcos Berenguer (RJ), 3º Daniel Friedmann (RJ), 4º Betão Marques (RJ), 5º Ricardo Bocão (RJ).

Foto do pódio de 1972 – Betão (4), Berenguer (2), Rico (1), Daniel (3), Bocão (5) e Paulo Issa entregando as premiações

O campeonato de 1973 teve suas eliminatórias na Praia Grande e as finais foram realizadas em Itamambuca. Já naqueles primeiros eventos, além do apoio da prefeitura da cidade, Paulo Issa conseguiu alguns apoiadores. Em 1973, a Varig (Rico de Souza ganhou uma passagem para o Peru e depois ele estendeu para a Califórnia). Em 1974, Marcos Berenguer (RJ) foi vitorioso. Em 1975, a Gledson forneceu cartazes, troféus, faixas e camisetas. A final de 1975 foi transferida para a Praia Vermelha do Norte com vitória de Otávio Pacheco (RJ). O campeonato de Ubatuba não ocorreu nos anos de 1976 e 1977, voltando em 1978 com o bicampeonato de Otávio Pacheco. A lacuna não foi tão sentida porque já em 1975 nascia o Festival de Saquarema, que teria seus anos áureos justamente neste período.

Itamambuca | 1978 – Targão, Cauli e Paulo Tendas – Foto extraída da Brasil Surf

Fonte de Informações
Blog do Dragão  por Reinaldo Andraus
https://surfdragonblog.blogspot.com.br/2015/08/ubatuba.html
https://surfdragonblog.blogspot.com.br/2013/11/capitulo-6.html

História do Surf Brasileiro (reidragao.wixsite.com)