Quilombo da Caçandoca

Quilombo da Caçandoca

Hoje estão reconhecidas 4 Comunidades Quilombolas em Ubatuba: Quilombo da Caçandoca, Quilombo do Camburi, Quilombo Fazenda Picinguaba e Quilombo Sertão do Itamambuca. Para entender a formação da Comunidade Quilombola na região de Ubatuba, vamos fazer um breve resumo da ocupação durante a história. Até as primeiras décadas do século XIX, contava com pequenas propriedades agrícolas de subsistência, havendo poucos escravos por propriedade, devido ao pequeno poderio financeiro de seus proprietários.

Comunidade Quilombola da Caçandoca
Comunidade Quilombola da Caçandoca

A paisagem fundiária mudou com vinda de colonos estrangeiros para a região, os quais investiram na compra de grandes lotes de terra. Trouxeram, para trabalhar nessas terras, um enorme contingente de população de origem africana. Com o declínio da produção cafeeira, a partir da segunda metade do século XIX, muitas fazendas foram abandonadas, loteadas e vendidas. Porções de terra das fazendas foram ocupadas, ou até mesmo doadas a ex-escravizados. O litoral norte permaneceu como uma região quase isolada até a construção da rodovia BR 101 (Rio-Santos), na década de 1970. A partir daí, a situação fundiária de Ubatuba alterou-se mais uma vez, então com a entrada de grileiros e especuladores imobiliários movidos pela facilidade de acesso à região que a rodovia propiciou.

Muitas das comunidades quilombolas e caiçaras, que até então viviam com relativa autonomia, foram expulsas de suas posses ou se viram obrigadas a vendê-las. A luta das comunidades quilombolas do litoral norte pela reconquista de suas terras esbarra numa situação fundiária bastante complexa, envolvendo disputas com grandes empresas imobiliárias.

Quilombo da Caçandoca
A comunidade remanescente de quilombo da Caçandoca e seus moradores de Caçandoca foram vítimas de um violento processo de expropriação de seu território. Várias foram as ocorrências policiais, as ações judiciais e os recursos administrativos que envolveram a comunidade, grileiros e empresas imobiliárias. O principal conflito deu-se com a empresa Urbanizadora Continental.

Em setembro de 2006, um passo importante foi dado para garantir os direitos territoriais dos quilombolas de Cançandoca. O presidente da República assinou o decreto de desapropriação da propriedade incidente nas terras do quilombo. O objetivo dessa desapropriação foi garantir a titulação daquela área em nome da comunidade.

Capela na Caçandoca
Capela Nossa Senhora Aparecida

Origem da Comunidade
A história desta Comunidade Quilombola iniciou-se em 1858, quando o português José Antunes de Sá comprou a Fazenda Caçandoca. A fazenda era dividida em três núcleos administrativos que abrigavam uma casa-sede e um engenho: Caçandoca, Saco da Raposa e Saco da Banana. Cada um deles era administrado por um filho de José Antunes de Sá: Isídio, Marcolino e Simphonio. Estes tiveram vários filhos “bastardos” com as mulheres negras que trabalhavam nas terras, além dos legítimos, frutos de casamento com mulheres brancas.

A fazenda desmembrou-se em 1881. Filhos e netos legítimos do proprietário da fazenda herdaram parte das terras, mas nem todos permaneceram nelas. Uma parte dos ex-escravizados mudou-se para outras localidades. Outra permaneceu nas terras da Fazenda Caçandoca, na condição de posseiros, com autorização para administrar seu próprio trabalho.

Os filhos bastardos e os ex-escravizados deram origem às principais famílias que hoje formam a comunidade da Caçandoca. Na fazenda produziam-se café e aguardente de cana-de-açúcar. Depois de seu desmembramento, em 1881, o café foi paulatinamente substituído pela banana e a mandioca. Estes itens eram vendidos pelos moradores da Caçandoca até meados da década de 1970. É a partir desta data que a comunidade passa a enfrentar sérios conflitos em função da construção da rodovia BR 101, que liga a cidade de Santos (em São Paulo) à capital do Rio de Janeiro. Esta obra teve como consequência a expulsão de parte da comunidade de suas terras.

Área do Quilombo da Caçandoca
Área do Quilombo da Caçandoca – Imagem extraída de https://antigo.incra.gov.br/media/docs/quilombolas/memoria/cacandoca.pdf

Os Conflitos
O território tradicional da comunidade situava-se nas áreas da praia e do sertão da Caçandoca. Os moradores distribuíam-se nas localidades de Praia do Pulso, Caçandoca, Caçandoquinha, Bairro Alto, Saco da Raposa, São Lourenço, Saco do Morcego, Saco das Bananas e Praia do Simão e mantinham entre si um intenso relacionamento, compartilhando origem e tradições. Os moradores de Caçandoca foram vítimas de um violento processo de expropriação de seu território. Várias foram as ocorrências policiais, as ações judiciais e os recursos administrativos que envolveram a comunidade, grileiros e empresas imobiliárias. Atualmente o território de Caçandoca conta com 890 hectares de extensão.

História da Espoliação
O trecho da BR 101 que passa por Ubatuba foi construído no ano de 1974. O município, antes praticamente isolado, passou a ser alvo de especuladores imobiliários entusiasmados com a valorização das terras propiciada principalmente pela facilidade de acesso ao local. Por conta disso, várias famílias caiçaras e quilombolas foram pressionadas a abandonarem suas posses no intervalo de poucos meses. No lugar de suas posses, sobrevieram principalmente casas de veraneio em condomínios fechados. Foi o que ocorreu em parte da região da Praia do Pulso, adquirida pela Urbanizadora Continental.

Comunidade Quilombola - Centro Comunitário Quilombo da Caçandoca
Centro Comunitário Quilombo da Caçandoca

Segundo os relatos de moradores da comunidade, a negociação com os agentes imobiliários foi marcada pela pressão e pela coerção. Os valores pagos às posses, quando pagos, eram muito baixos. Além disso, eram constantes as ameaças àqueles que não aceitassem as propostas ou se recusassem a sair das terras. Como a maior parte das pessoas não sabia ler ou escrever, foi facilmente enganada por grileiros que usaram de má-fé para expulsar da região diversas famílias.

Houve casos em que a violência foi maior. Homens armados que “chegavam de noite, atirando”, casas queimadas e famílias expulsas à força. Para os que resistiram e conseguiram ficar nas terras, as dificuldades foram muitas. Foram proibidos de construir ranchos para barcos e de usar as praias de Caçandoca e de Caçandoquinha para fins de trabalho.

Casa de Artesanato - Comunidade Quilombola da Caçandoca
Casa de Artesanato – Comunidade Quilombola da Caçandoca

Conflito com a Urbanizadora
Em 1974, a Urbanizadora Continental adquiriu parte da região do Pulso e da Caçandoca ocupada pela comunidade quilombola. Na área do Pulso foi construído um condomínio de casas de veraneio de alto padrão. Já na Caçandoca, área reivindicada com prioridade pelos quilombolas, nenhuma edificação foi construída, nem existe lá qualquer atividade produtiva. A Urbanizadora Continental apresenta um título de propriedade de uma área de 210 hectares no território da Caçandoca, apesar de manter rigorosa vigilância sobre uma área de 410 hectares.

A relação da empresa com a comunidade foi sempre conflituosa. Entre 1974 e 1985, a Urbanizadora Continental bloqueou a passagem de automóveis na área que vai do Condomínio do Pulso até a Praia da Caçandoca. Impediu, com isso, o acesso dos moradores ao transporte rodoviário, prejudicando principalmente o transporte de mercadorias e de pessoas doentes. Também em 1974, a empresa tentou demolir a igreja, localizada na Praia da Caçandoca, considerada um patrimônio coletivo da comunidade quilombola.

Praia da Caçandoca - Trilha do Saco das Bananas
Praia da Caçandoca

A Resistência dos quilombolas
Muitos dos apelos da comunidade foram considerados improcedentes, ou até mesmo foram desconsiderados. Mas, apesar das negativas, o grupo não deixou de se mobilizar e reivindicar seus direitos. Em 1997, ocuparam uma área reivindicada por eles e que, supostamente, pertence à Continental. Em setembro de 1998, a empresa entrou com uma ação de reintegração de posse e ganhou uma liminar que obrigou os quilombolas a abandonarem as terras. Em 1998, fundaram a Associação da Comunidade dos Remanescentes do Quilombo da Caçandoca e entraram em contato com a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP), que deu início ao processo de regularização fundiária da área requerida.

Em maio de 2001, realizaram uma segunda ocupação. Cerca de 30 famílias retornaram para uma pequena faixa de terra localizada ao longo da estrada vicinal que liga Caçandoca à rodovia BR 101. Desta vez contaram com o apoio do Ministério Público Federal, que solicitou ao juiz de Ubatuba que fosse revogada a liminar de reintegração de posse anteriormente concedida à Urbanizadora Continental. O juiz atendeu a este pedido, mas não a outro feito pelo MPF: o de que se concedesse proteção à posse coletiva exercida pela comunidade da Caçandoca sobre a área.

A ação seguiu até que, em abril de 2005, o juiz revalidou a decisão liminar de reintegração de posse em favor da Urbanizadora Continental. O ITESP interferiu, através da propositura de uma ação cautelar, conseguindo com que o Tribunal de Justiça cassasse a liminar e não houve reintegração de posse. A empresa entrou com recurso contra essa decisão, mas até dezembro de 2006, nem o recurso nem a ação possessória haviam sido julgados. Em setembro de 2006, a luta de Caçandoca para fazer valer os seus direitos frente a Urbanizadora Continental conquistou uma importante vitória. O governo federal decidiu desapropriar as terras pertencentes a empresa para poder titulá-las em nome dos quilombolas.

Placa na chegada a Comunidade Quilombola da Caçandoca
Placa na chegada a Comunidade Quilombola da Caçandoca

Estima-se que, na década de 1960, a população total da comunidade da Caçandoca era de cerca de 70 famílias, somando 800 pessoas. Esse número diminuiu consideravelmente após a expulsão de diversas famílias em função dos conflitos envolvendo suas terras. Várias das famílias que tiveram de deixar Caçandoca residem em cidades próximas do litoral e do Vale do Paraíba, e mantêm contato com os que permaneceram na comunidade.

Atividades Produtivas
A economia da comunidade é característica da população caiçara da região, estando baseada na atividade pesqueira e na agricultura familiar, voltada prioritariamente para o auto consumo. Até a década de 1970, os principais itens agrícolas produzidos pela comunidade eram a farinha de mandioca, o feijão, o arroz e a cana-de-açúcar (para rapadura e aguardente).

Jurandir do Quillombo Caçandoca - Maria Laura e Edson Conti do Curiosidades de Ubatuba
Jurandir do Quilombo Caçandoca – Maria Laura e Edson Conti do Curiosidades de Ubatuba

Atualmente, a pesca e a coleta de mariscos além da produção de banana são as principais atividades produtivas. Muitos quilombolas também trabalham em serviços domésticos nas casas de veraneio do condomínio do Pulso. O ecoturismo é uma iniciativa recente da comunidade para a captação de recursos. O ITESP tem apoiado essa iniciativa por meio da capacitação de monitores.

Fontes de Informações:
https://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/sp/home_sp_lit_norte.html
https://fundart.com.br/tradicao/comunidades/quilombos/