A Devoção à Nossa Senhora das Graças no Sertão da Quina

A Devoção à Nossa Senhora das Graças no Sertão da Quina

A “Visão” de Nossa Senhora das Graças– Era primavera do ano de 1915, e em uma tarde, após o almoço, na região do alto do Sertão da Quina em Ubatuba, região próxima a Praia de Maranduba, com acesso pelo Km 76 da rodovia Rio-Santos, sentiu-se um suave perfume de flores.

Cruzeiro e Imagem Nossa Senhora das Graças - Sertão da Quina
Cruzeiro e Imagem de Nossa Senhora das Graças

Segundo contam os antigos moradores, quatro meninas, entre 6 e 7 anos, avistaram um clarão e a silhueta da imagem de uma mulher numa montanha, no alto do morro do bairro (Morro Emaus). Eram elas: Iria Rosa de Oliveira, Benedita Januária, Joana Felix dos Santos e Maria Aparecida, que das quatro era a única que não teve a visão na primeira vez.

Nossa Senhora das Graças no Morro Emaus – Maranduba – Imagens aéreas de @brunoamirimagens

A “Bela Senhora”
A visão da imagem de uma mulher voltou a acontecer após alguns dias. A visão era precedida por uma forte luminosidade, como que um relâmpago. Quando questionadas pelos pais, sobre o que viam, uma das crianças disse: “É uma mulher muito bonita, do tamanho da mamãe”. Em visões seguintes, a “Bela Senhora” pediu que no local da visão, deveria ser erguida uma cruz, e mais abaixo, uma igreja (local da atual Igreja de Nossa Senhora das Graças), e que na região deveria haver uma paróquia, um asilo e uma congregação chamada Mariana (palavras até então desconhecidas para a época). Falou também que muitos anos mais tarde, ali próximo ao local da cruz, a comunidade deveria construir uma casa onde todos os povos poderiam se encontrar e seu nome bendizer, e que no decorrer de suas visitas mostraria alguns fatos aos mais céticos.

Cruzeiro Morro Emaus - Nossa Senhora das Graças
Cruzeiro no Morro Emaus

Na época, a região possuía apenas as casas de Luiz Félix, João de Deus e João Manoel dos Santos (João Rosa). As meninas, ao chegarem ao berço de suas famílias, comentaram o ocorrido. Os pais, ainda assim, acharam que era imaginação ou coisa de crianças e mandaram elas irem brincar. Meses após, as meninas estavam brincando pelas redondezas quando avistaram novamente um clarão e o seguiram. Viram a mesma imagem, só que mais nítida. Puderam observar que se tratava de uma jovem mulher.

Nossa Senhora das Graças no Morro do Emaus – Maranduba

Uma das meninas, Maria Aparecida, que não avistara nada até então, perguntou por quê não conseguia ver ou ouvir o que conversaram. Uma das meninas comentou que haveria muitas provações como essa, assim como a falta de fé e a zombaria dos descrentes. Maria Aparecida pôs-se a rezar e pedir que nela fosse depositada confiança, para que pudesse ver e conversar com a jovem Senhora.

Imagem de Nossa Senhora das Graças
Imagem de Nossa Senhora das Graças

A Cruz de Galhos
Em outra ocasião um grupo numeroso de pessoas avistou um forte clarão. Aproximaram-se para ver do que se tratava e lá, no morro, viram as quatro meninas ajoelhadas, e só uma chorando. Perguntaram a elas o que teria acontecido, pois haviam visto a luminosidade. Aliviadas, as crianças explicaram o que tinham visto e que a claridade tinha uma razão de ser: era o sinal da chegada da “Bela Senhora”. Para que não zombassem delas, disseram que eram capazes de, naquele momento, ir a um local, só conhecido por alguns caçadores da região. Lá iriam achar, no meio da mata fechada, uma cruz de galhos de árvores. Todos que ali estavam seguiram-nas. Após andarem algumas horas, acharam uma cruz bem no local indicado pelas meninas. Atualmente conhecido como “Sítio Santa Cruz”. Algumas pessoas ficaram maravilhadas com a descoberta, já que quase ninguém passava por aquele local, mesmo os experientes caçadores.

Casa de Pedra e Cruzeiro ao fundo - Nossa Senhora das Graças
Casa de Pedra e Cruzeiro ao fundo

O local da aparição pertencia, na época, as únicas famílias que ali habitavam. Ninguém impediu que o jovem João Manoel e outros amigos cortassem galhos de árvores e, a pedido das meninas, fincassem ali a primeira cruz no local onde havia um pequeno pé de bastão. Depois um senhor, que atendia pelo apelido de “Lelé”, confeccionou uma cruz em madeira e substituiu a primeira. Mais tarde, José Cláudio, um funcionário do DER, forneceu ferro e cimento para se construir em alvenaria uma cruz que ficaria em caráter definitivo.

Placa na rodovia sinalizando a entrada para a paróquia Nossa Senhora das Graças
Placa na rodovia Rio-Santos sinalizando a entrada para a Igreja

As Peregrinações
O ocorrido se espalhou rápido por toda a região chegando até os municípios vizinhos. Muitas pessoas vieram acompanhar as meninas que realizavam longas caminhadas. Anos mais tarde, com o aparecimento cada vez mais de fiéis, tornaram-se gigantescas procissões, a partir deste momento o bairro passou a se chamar “Sertão da Santa”.

Casa de Pedra - Nossa Senhora das Graças
Casa de Pedra

A Capela e as Provações
Um ano depois, em 1916, a comunidade iniciou a construção da primeira capela erguida em pau-a-pique. Ainda sem sugestão para o nome, uma das meninas que viu a aparição, disse ser um pedido da jovem Senhora que a capela se chamasse Nossa Senhora das Graças. Aproximadamente entre os anos de 1921 e 1924, as jovens que presenciaram as visões passaram por duras provações. Foram intimadas judicialmente com seus pais a depor no Fórum sobre todo o ocorrido. Choraram e sofreram, mas em nenhum momento negaram tudo aquilo que presenciaram.

Paróquia Nossa Senhora das Graças
Paróquia Nossa Senhora das Graças – Sertão da Quina

Sinais do Amor
Enquanto isso, o movimento religioso crescia, sob o iniciativa da comunidade e do Capelão Jorge da Mata procissões e orações eram feitas. Há ainda o relato de muitos fatos maravilhosos e extraordinários acontecidos com as meninas e os peregrinos que iam até o Sertão. Numa ocasião, a “visão” tinha dito às meninas que havia outra cruz de madeira, agora no bairro da Caçandoca. A cruz era fruto do falecimento de duas irmãs que caíram no mar na tentativa de colherem mexilhões para o almoço. As meninas seguiram o caminho indicado pela “imagem” e, em meio a um capão de mato, acharam entre as folhas uma pequenina cruz de acordo com a descrição. Em outra ocasião, durante um tempo de falta de peixes, um pescador devoto testemunhou ter conseguido uma quantidade enorme de peixes, após ter peregrinado até o local das visões. Muitos atestam que enquanto caminhavam com as meninas, podia chover ou fazer sol, mas as pessoas não sentiam fome e continuavam a caminhar por quilômetros a fio. O relato de graças na saúde, família e emprego e sobretudo a conversão de vida passaram a ser constantes.

Nossa Senhora das Graças - Paróquia

As Profecias se Realizam
O tempo passou, e as profecias que a “Bela Senhora” fez foram se concretizando:
– No ano de 1975 foi concluída a obra da Casa de Emaús, um centro de espiritualidade para retiros, onde centenas de pessoas passaram e tiveram uma ocasião de conversão e de um encontro pessoal com Jesus Cristo.
– A capela em homenagem a Nossa Senhora das Graças, foi construída e em 1999 a região foi constituída em Paróquia, sob o decreto de Dom Fernando Mason, primeiro bispo diocesano de Caraguatatuba.

Cruzeiro e Imagem Nossa Senhora das Graças - Localizados no Morro do Emaus Sertão da Quina
Cruzeiro e Imagem Nossa Senhora das Graças – Localizados no Morro do Emaus no Sertão da Quina

– E mais recentemente, um novo avivamento aconteceu. No ano de 2008, a comunidade paroquial, de comum acordo com seu pároco, reanimaram a comemoração mensal de Nossa Senhora da Graças, que acontece todo o dia 08 do mês, com a recita do terço, procissão luminosa e a Santa Missa. Desde abril de 2008, quando o movimento se iniciou, já são centenas de fiéis que voltaram a peregrinar nesse terreno sagrado, terra abençoada pela feliz lembrança da Mãe de Deus, a nossa querida Mãe das Graças.

Vejam esta história, narrada por nossa amiga Mabel Kotzent
Conheci a história quando mudei-me para Ubatuba em 2001.Em setembro de 2002 fui convidada pela mãe da @amandajulias2 ir conhecer o lugar. Era 8 de setembro e uma nova imagem de Nossa Senhora, iria ser colocada no Morro de Emaús. Assim que terminou a colocação, foi colocado um terço no pescoço de Nossa Senhora. Após este momento deu um temporal terrível com ventos, raios e trovões. Todos ficamos preocupados com a imagem, pois, ainda estava “solta”. Quando tudo passou, fomos até lá e a imagem estava intacta, com o terço nas mãos…

A Antiga Igreja
Esta imagem é da antiga Igreja Nossa Senhora das Graças, localizada no Sertão da Quina, subindo em direção a uma montanha, no alto do morro do bairro. Esta foto é de 1978, antes de construírem uma outra igreja de pedra em seu lugar. Infelizmente, derrubaram essa, que era tão acolhedora, uma pena, pois hoje poderíamos ter as duas.

antiga Igreja Nossa Senhora das Graças
Antiga Igreja Nossa Senhora das Graças

Oração Antiquíssima
Ó Virgem da Conceição, Vós sois aquela Senhora que na porta do céu estais, do sol vestida, da lua calçada, de graça assistida e de estrela coroada. Vós sois aquela senhora que de vossa sagrada boca dissestes: “Quem por meu santo nome chamar 150 vezes no dia, não sofrerá aflição, nem agonia”.
Ó Virgem da Conceição, agora por vós eu chamo…Ó Virgem da Conceição Valei-me!

João Rosa – “Benfeitor do Local” – Conheça um pouco de sua história
Nascido em 07 de setembro de 1902 em meio as casas de pau-a-pique, roças e rios, o caiçara João Manoel dos Santos, carinhosamente conhecido como João Rosa, é considerado patriarca do Sertão da Quina. De família de agricultores, caçadores, pescadores e artesãos, seu pai, Manoel Gaspar dos Santos, a mãe, Rosa Félix de Jesus foram um dos colonizadores da região por volta de 1850.

João Rosa – Foto de Ezequiel dos Santos

João Rosa foi um homem. alto, de pele e olhos claros, de musculatura forte, de passos firmes e determinados. Embora de aparência bruta por conta do modo de vida da época, por dentro havia um coração e um amor maior que seu peito. João sabia da sua tarefa na comunidade e teve uma contribuição importante na formação da cultura, da educação, da construção do patrimônio imaterial e material, da amizade, da camaradagem e da formação histórica e religiosa desta localidade.

Ele é símbolo da resistência histórica, cultural e religiosa, já que foi uma das testemunha da aparição da “jovem senhora” em 1915. Na década de 1990 temendo a tomada do Morro de Emaús pela SABESP, João Rosa resolveu contar parte do segredo da Santa e da importância do Morro do Emaús (Morro do São Cruzeiro). Felizmente a companhia respeitou seus moradores e desistiu da obra. Foi, para todos os moradores, o evento de maior tensão.

Considerado uma biblioteca ambulante, João Rosa foi fonte de inspiração de vários historiadores e diversas pesquisas. Sua simplicidade refletia na liberdade de um bom bate papo, na transmissão de seu etnoconhecimento, na informação específica sobre o tempo, a fauna, flora, o modo de vida, na surpresa de sua sabedoria e no acerto de seus conselhos. Foi através dele que foi levantado o primeiro histórico sobre a aparição de Nossa Senhora das Graças, que até então era considerado um mistério.

João Rosa nos deixou em 19 de setembro de 1999 e também foi homenageado com nome de rua no Sertão da Quina.

Fontes:
https://paroquiansgracas.blogspot.com.br/p/aparicoes-de-n-sra-das-divinas-gracas.html
https://www.panoramicearth.com/6183/Ubatuba/Imagem_de_Nossa_Senhora_das_Gracas