A História do Camarão na Moranga

A História do Camarão na Moranga

Para entender a história do tradicional prato “Camarão na Moranga”, vamos primeiro conhecer um pouco do local que deu origem a esse prato tão especial, a Ilha Anchieta, localizada em Ubatuba, próxima a região central da cidade, e que é a 2ª maior ilha do litoral norte paulista, com 828 hectares de exuberante Mata Atlântica em meio a montanhas e praias de águas cristalinas.

Ilha Anchieta - Mapa
Ilha Anchieta – Imagem extraída do Google Maps

A Ilha Anchieta abrigou um presídio político que foi desativado após uma grande rebelião. As ruínas do presídio que funcionou da década de 1930 até 1952, são um grande atrativo turístico para quem visita a ilha. Enquanto esteve em funcionamento, o presídio recebeu um grupo de presos japoneses. No final da segunda guerra (1945), parte da colônia japonesa que estava no Brasil não acreditava na derrota do Japão, acreditando que as notícias que circulavam sobre a rendição do imperador do Japão fossem falsas. Isso gerou conflito entre os que acreditavam na vitória e os que admitiam a derrota do país.

Praia do Presídio
Ruínas do presídio na Ilha Anchieta

É nesse ambiente conturbado que entre 1946 e 1948, 172 japoneses chegam à ilha Anchieta. Haviam presos políticos de uma facção chamada “Shindo Renmei” (*) (Liga dos Caminhos dos Súditos). Eram ideólogos japoneses que executavam seus compatriotas, aqui no Brasil, por considerá-los amigos dos brasileiros e, por conseguinte, traidores do Japão. Apesar de haver alguns envolvidos em casos de assassinatos políticos, dentro do contexto do conflito entre os chamados “vitoristas” e “derrotistas”, a grande maioria dos presos japoneses que chegaram a Ilha Anchieta eram inocentes, e foram presos por serem imigrantes, perseguidos por serem filhos de um dos países do Eixo (Japão, Alemanha e Itália).

Esses japoneses eram muito trabalhadores, e transformaram o capim-melado e o sapezal da Ilha Anchieta em plantações de verduras e legumes. Acredita-se que de tanto andar descalço e comer peixe cru, junto com a falta de higiene que era muito comum nos presídios da época, os presos da ilha, adquiriram várias doenças, entre elas a esquistossomose, conhecida como barriga d’água, uma infecção por parasitas, muito comum entre pessoas que trabalham no campo. Um médico local sugeriu que tomassem remédios tradicionais, mas o grupo de japoneses não aceitou tomar os tradicionais lombrigueiros dos caiçaras, e passaram a plantar abóbora, pois de suas sementes era obtido um poderoso vermífugo e o problema foi resolvido.

Japoneses prisioneiros da Ilha Anchieta ((Crédito da Imagem: Mario Jun Okuhara)

A novidade fez tanto sucesso que os moradores do continente, começaram a comprar as abóboras plantadas na ilha e torrar as sementes, para comer e curar suas moléstias. Segue relato do caiçara João Pacu, morador da Praia da Enseada, que era um sujeito magro, alto e barrigudo. Barrigudo porque certamente também estava bichado. Uns diziam que ele estava grávido de gêmeos e pelo crescimento da barriga ia ter filho em agosto, onde completava os nove meses. Diante daquela barriga e da gozação que os amigos faziam, João Pacu encomendou mais de cinquenta abóboras dos japoneses da Ilha Anchieta. João Pacu recebeu as abóboras e vivia comendo, em doses homeopáticas, as sementes torradas. Em três semanas estava curado. Tudo quanto era tipo de verme, lombriga e até solitária, foi expulso da barriga de João. O homem ficou esbelto novamente. Quem lhe trouxe as abóboras foi seu amigo João Glorioso, comerciante do Saco da Ribeira, que semanalmente levava e trazia mercadoria da Ilha Anchieta.

Certa vez, durante o transporte das abóboras, uma delas caiu no mar. Era uma abóbora do tipo moranga. Caiu no mar e afundou, não dando pra João Glorioso recuperar. Pão duro como era, ficou muito sentido com aquilo. Fazer o que?! Fazer o que, é que ele não ia perder aquela abóbora por nada. No outro dia lá estava João Glorioso arrastando os mais diversos tipos de redes de pesca para recuperar a abóbora. Arrastou puçá, rede de cabo, picaré e até rede de tróia, o homem bateu, pra ver se a abóbora malhava na rede. Mas não teve jeito, a abóbora sumiu.

Sumiu, mas depois de uma semana apareceu no “lagamá” da Praia da Enseada, exatamente em frente ao restaurante da dona Zenaide e, por coincidência, foi achada pela própria que, vendo aquela beleza de fruto, não pensou duas vezes: “- Vou fazer um cozido!” Pegou a abóbora e cozinhou inteira num panelão de barro. Abóbora cozida, hora de apreciar! Foi aí a surpresa. Ao abrir a tal abóbora descobriu que dentro tinha pra mais de dois quilos de camarão sete-barbas.

Na edição do dia 12 de julho de 1947 do jornal Diário da Noite, a legenda da foto diz que “os japoneses da Shindo Remmei são os mais ordeiros e uteis”. (Crédito da Imagem: Mario Jun Okuhara)

Vendo aquilo e como boa cozinheira que era, trocou as sementes por cheiro-verde, coentro de folha, tomate, alho e cebola, e deu mais uma fervida na abóbora. Pronto! Estava criado mais um prato típico da culinária caiçara: “Camarão na Moranga”, prato este que passou a ser o carro-chefe do restaurante Zenaide, na Praia da Enseada. O curioso foi desvendar como os camarões foram parar dentro da abóbora. Verificou-se depois que naquela abóbora existia um buraco no lugar do talo, por isso ela afundou, e foi por ali que os crustáceos entraram, fazendo da abóbora uma segura e confortável moradia. Depois dessa descoberta, a receita do “Camarão na Moranga” foi aprimorada, e hoje se encontra nos principais restaurantes da cidade, um prato típico da culinária caiçara, e passou a fazer parte do cardápio de muitos restaurantes litorâneos espalhados pelo Brasil.

Camarão na Moranga
O tradicional Camarão na Moranga

Camarão na Moranga – Receita e Ingredientes
1 abóbora moranga grande, 12 camarões grandes, 500g de requeijão, 1/2 kg de cascas e cabeças de camarão, 1 abobrinha, 250g de inhame, 1 tomate, 1 ramo de tomilho, 1 funcho, 2 cebolas, 3 dentes de alho, 2 colheres (sopa) de extrato de tomate, 4 copos de vinho branco seco, 1 dose de conhaque, 200 ml de creme de leite fresco, Azeite, 500g de cabeça de peixe limpa (para o caldo de peixe), Sal (a gosto), Pimenta do reino (a gosto).

Modo de preparo da moranga
Cozinhe a abobrinha e o inhame, deixando-os al dente e reserve. Em seguida, com uma faca, abra uma tampa na moranga e retire as sementes. Envolva a moranga em papel alumínio e coloque no forno por duas horas a 200ºC, ou até que fique macia por inteira. Após cozida, reserve o caldo da moranga e recheie com requeijão. Para preparar o caldo de peixe, em uma panela, coloque as cabeças de peixe com cebola, tomilho, 2 copos de vinho branco e complete com água. Deixe cozinhando por duas horas para engrossar.

Modo de preparo do molho bisque
Em uma panela com azeite bem quente, frite as cascas de camarão até que fiquem vermelhas. Acrescente a cebola picada e, quando estiver transparente, flambe com conhaque. Coloque o extrato de tomate, 2 copos de vinho branco, o caldo de peixe até cobrir, os dentes de alho inteiros com casca, sal e pimenta do reino. Em seguida, inclua o tomate cortado em pedaços grandes e o caldo da moranga. Deixe refogar por 10 minutos. Acrescente o creme de leite e deixe por mais 15 minutos. Agora é a hora de peneirar o caldo, espremendo as cabeças e cascas para soltar o suco. Despeje este suco dentro da moranga. Coloque também os camarões crus, os legumes cozidos e coloque no forno por 10 minutos. Na hora de servir, deixe o prato com estilo: em uma frigideira com azeite, frite 4 camarões temperados com sal e pimenta do reino e coloque por cima da tampa da moranga com um raminho de erva.

Fontes:
https://metidonacozinha.blogspot.com.br/2012/02/camarao-na-moranga.html
https://ubatubense.blogspot.com.br/search/label/HISTORIAS%20DE%20CAI%C3%87ARAS
https://www.guiadepraias.com.br/conteudo.php?id=58

http://informarubatuba.com.br/ubatuba-pode-ter-dia-para-lembrar-imigrantes-japoneses-presos-na-ilha-anchieta-em-1946/