“Seu Peres” – Praia do Lázaro

“Seu Peres” – Praia do Lázaro

O Hotel Canoeiro, mais conhecido como “Hotel do Peres” foi aberto na década de 60 por Antônio Peres, que percebeu que a beleza natural que a Praia do Lázaro oferecia se tornaria muito procurada por turistas do mundo inteiro, daí a preocupação em preservar a natureza ao redor do hotel, que se mantém inalterada há décadas. Abaixo texto extraído do site do “Hotel Canoeiro” contado a vida deste “Mestre Pescador”.

Seu Peres
Seu Peres

História de um pescador por Marcos Malta Migliano
Eu particularmente tive muitos mestres e deles guardo grandes recordações. Sou-lhes profundamente grato pelo pouco que sei. Um deles, Antônio Peres, conheci em 1963, em Ubatuba. Juntamente com Lothar Bamberg, ele me ensinou muitas coisas sobre pesca e mar. “Seu Peres” nasceu na Praia do Lázaro, em Ubatuba, e é um mito, pois até esta data ninguém sabia informar sua idade. O conheço há mais de 30 anos, durante os quais, seu físico pouco se modificou.

Eu era um moleque e ouvia fascinado as histórias que “Seu Peres” contava sobre suas andanças como pescador. Hoje ele é um próspero comerciante, dono do Hotel Canoeiro e do Restaurante do Peres, que por sinal, são muito bons na Praia do Lázaro. Na semana santa deste ano fui a Ubatuba e aproveitei para passar pela praia do Lázaro e rever os amigos. Tive a ideia de entrevistar “Seu Peres”. Afinal, se aprendi tanto com esse homem, porque não dividir isto com os amigos pescadores. Vamos lá!

“Seu Peres”, em que ano o senhor nasceu e onde exatamente? Nasci aqui no Lázaro em 11 de novembro de 1912. Meu pai nasceu na Ilha Anchieta e era descendente de espanhóis. Minha mãe era negra e nasceu no sertão do rio Escuro.

Isto explica por que o senhor, embora tenha pele escura, possui traços delicados. Seu avô, espanhol, provavelmente era descendente de algum comerciante ou mesmo pirata… Mas, continuando, como era a vida no Lázaro naquela época? A vida não era fácil. Pra você imaginar, fósforo era uma coisa rara. Quando tinha, era vendido por unidade. A gente acendia o fogo com laranjeira, em uma vala no chão cercada de três pedras (tacuruba) e, à noite, cobríamos com cinza para não apagar. A isto chamávamos de mãe do fogo. Quando ela apagava pegávamos um tição emprestado do vizinho. Daqui à cidade eram 4 horas de caminhada pela mata. Quando morria alguém, colocávamos o corpo em uma rede e transportávamos até a cidade pela mata. E naquela época havia inúmeros animais selvagens pela mata, onde abundavam onças.

Seu Peres
Seu Peres

E a pesca, “Seu Peres”? Quando eu era menino, ninguém pescava por aqui, pois não tinha como conservar o peixe. Nós trocávamos ovos, pinga, pimenta e banana por querosene, sal e sabão. Tanto é que com 15 anos fui para Santos trabalhar num sítio de bananas. Havia um barco chamado “Santanse” que, de 8 em 8 dias, fazia ligação com Ubatuba. Eu voltava pra cá a cada 2 ou 3 meses para deixar um dinheiro para a família. Em 1943, por causa da guerra, a exportação de bananas fracassou e a procura por peixe aumentou. Então voltei e comecei a trabalhar com minha primeira canoa, feita de timbaúba. O peixe salgado tinha muito valor na época. Foi aí que comecei a pescar. A gente usava espinhel, mas não existia o náilon. As linhas eram verdadeiras cordas de algodão e para que não apodrecesse, a gente fazia um caldo de arueira e aplicava nas cordas, isso dava uma impermeabilização. A linha “madre” tinha mais de um dedo de espessura, daí saia os “estopros” com os anzóis.

Onde o senhor soltava os espinhéis? Aqui na frente mesmo, pegávamos inúmeros cações, alguns chegavam a pesar 250 quilos. Às vezes soltávamos no canal do ilhote do sul da Ilha Anchieta. Ali existiam cações enormes. Atrás do Mar Virado, cruz credo! Era soltar o espinhel e perder. Os cações desgraçavam com tudo e, quando sobrava alguma coisa do espinhel encontrávamos cações de 70 quilos cortados pela metade. Nos meses de maio a junho, pescávamos tainha. Pra isso utilizávamos dois “espias”.

O que eram “espias”? À noite saíam duas canoas e ficavam observando as tainhas se aproximarem da praia. Quando elas apareciam, eles davam um sinal e os demais pescadores que pernoitavam na praia, punham logo outras duas canoas com a rede e cercavam o cardume recolhendo-o à praia. Numa daquelas noites, um bando de cações se aproximou e um deles mordeu o fundo da canoa de um dos espias, que começou a fazer água. Ele só se salvou porque o companheiro encostou logo a outra canoa e ele mudou de embarcação. Depois comecei a pescar sardinha na traineira de Pedro Leandro (pescador muito conhecido que faleceu com mais de 90 anos. Com ele tive o prazer de uma vez pescar garoupas). Quando saíamos em busca de sardinha, toda vez que recolhíamos a rede, os cações rodeavam a traineira e nós lançávamos na água verdadeiras cordas munidas de anzol de 20 cm, com um reforço soldado na curva do anzol para que ele não abrisse, fazíamos um cacho de umas 15 sardinhas e era só soltar na água que o bicho ferrava, depois segurávamos a corda e mais ou menos 8 homens. Pegávamos cações desta maneira de 350 quilos.

Com esta quantidade de tubarões o senhor deve ter visto muitos acidentes. Não. Nunca vi ninguém mordido ou morto por cação.

Mas como nunca houve nenhum acidente, com essa quantidade de cações grandes, se hoje em dia, com menos peixes temos notícias de vários ataques de tubarão? Muito simples: os caiçaras da minha geração não sabiam nadar. Nunca entravam na água, nem na praia e por isso mesmo só saíam com tempo muito firme. Hoje em dia o pessoal pula no mar em qualquer altura só para tomar um banho. Isso nunca acontecia naquele tempo.

Fora o cação, qual foi o maior peixe pescado pelo senhor na linhada? Foi um mero de 150 quilos fisgado aqui mesmo na ponta do Lázaro. Demorei umas 3 horas para tirar e ele arrastou a canoa por mais de 500 metros. Eu perdi um maior na ponta da Enseada. Devia ter uns 300 quilos. O mero é danado: quando percebe que está ferrado, sai como um louco. Se a gente folga um pouco ele fica quase parado no fundo, vai nadando muito devagar.

Seu  Peres
        Seu Peres

Depois destas características descritas pelo senhor, aliadas a lembrança de um mero que perdi em Natal, conclui que o peixe – batizado por mim de “coisa” – que perdi na Barra do Pujuca, na Bahia, devia ser um mero de mais de 100 quilos. Mas voltando as suas lembranças, o senhor não gostava muito de pescar de linha? Eu gostava sim. Muitas vezes ia à noite à Ilha Anchieta e nas Palmas pescar garoupa. Naquela época pegava grandes bitelos. Usava como isca bonito ou sardinha.

Agora o senhor vai me revelar um segredo: durante mais de 20 anos em que faço pescarias por aqui, o senhor sempre acertou o tempo. Lembro-me que eu me levantava às 5 horas da manhã para ver como estava o mar e já o encontrava na praia. Então me dizia: “Hoje tudo bem, pode ir”. Às vezes, me falava: “Hoje o mar vai virar”. Todas as vezes que não ouvi seus conselhos me arrependi. Como o senhor acertava? (“Seu Peres” dá um sorriso amarelo e começa a contar) Como não sabíamos nadar e nossas embarcações eram meio primitivas, não podíamos correr nenhum risco, por isso observávamos bem os sinais do tempo. Quando as estrelas estão brilhando demais no céu, é sinal que vai “noroestar” (vento forte a noroeste). Quando no nascer do sol ou no pôr do sol estiver muito vermelho o tempo vai virar. Antes de nascer o sol, se as folhas das árvores tiverem bastante orvalho o tempo será firme. Se elas estiverem secas o tempo vira. Outra prática infalível é observar o Pico do Corcovado (em Ubatuba): se estiver bem limpo, o tempo normalmente é bom; se estiver encoberto, vai chover.

Quando começou a acabar os peixes por aqui? Depois de 1970 o peixe foi desaparecendo. Em primeiro lugar, acho que foi por causa do excesso de arrasto. Por mais de 15 anos arrastaram dia e noite aqui na Baía do Lázaro, matando peixe que vinha reproduzir ou crescer. Depois pelo desrespeito ao defenso na pesca da sardinha. A sardinha é o pasto do mar, se não tiver sardinha os peixes vão procurar alimento em outro lugar. Agora pararam de arrastar porque não tem mais nada. É possível que o peixe volte. Uma coisa que voltou foram as baleias. Durante muitos anos elas vinham aqui na praia do Lázaro. Depois ficaram mais de 20 anos sem dar as caras. Agora, todo ano tem uma visitinha. Não na quantidade que havia 40 anos atrás, mas estão voltando. As tartarugas também estão aparecendo em maior número. Acho que é devido ao Projeto TAMAR.

E o senhor ainda pesca? Profissionalmente e esportivamente. Ainda tenho meu cerco na Anchieta, inclusive no ano passado, entrou uma tintureira de 250 quilos. E as vezes eu saio para apanhar um espada ou uma garoupa na Ponta da Cruz.

Agora revele-nos um último segredo: o que faz para estar assim em plena forma? “O velho Peres dá uma risadinha, levanta-se, vai buscar uma cerveja gelada e um camarão no bafo. Ao voltar, me diz: conte um pouco das pescarias que você tem feito por aí em outras terras…

Embora ele dissimulasse bem, eu não me perdi. Quando deu uma folga, chamei o Edinho, um de seus sete filhos, que toma conta dos negócios do pai na Praia do Lázaro, juntamente com os irmãos Carlinhos e Josué, e pedi que me contasse a fórmula do velho para continuar assim, do mesmo jeito de quando o conheci, há 30 anos. Ele também não fala, mas eu acabei descobrindo: “Seu Peres” não come frituras; peixe, só ensopado; e salada quase a semana toda; carne vermelha no máximo uma vez por semana; bebida, muito pouco; levante-se muito cedo; caminha uns 5 km de manhã e outros 5 km à tarde, aí ele entra um pouco na água do mar e nada muito… Só, mar alimentação sadia, caminhadas, enfim, uma perfeita harmonia com a natureza, o que resulta em muita paz. Assim nem dá para perceber o tempo passando. É por isso que ele nunca vai envelhecer.
Fonte de Informação: https://www.litoralvirtual.com.br/canoeiro/peres.htm

Seu Peres
Seu Peres

Abaixo um pouco mais da história do “Seu” Peres – Texto de Celso Teixeira Leite
Seu pai, Manoel Peres, nasceu na Ilha Anchieta e quando foi iniciada a construção do presídio no final do século passado, recebeu uma pequena indenização para deixar a ilha e morar na Praia do Flamengo. Festeiro de primeira hora não perdia o “bate pé” (chiba e outras danças) das festas de Santo Antonio, São José, São Pedro, Folia de Reis e Espírito Santo. O antigo bar, hoje restaurante, permitiu conhecer pessoas e construir amizades.

Cita o deputado Hamilton Prado, jogadores como Rivellino, Careca, Zetti e o ex-prefeito Ciccillo Matarazzo que passaram por ali e ficaram amigos. Lembra, em especial do comerciante Silvino Teixeira Leite e as viagens de fusca que ambos faziam até São Sebastião com direito a medos e desafios da estrada para, finalmente, chegar até a agência do Banco do Brasil. Pela narrativa parece que a viagem era muito divertida.

Seu Peres um autodidata, casado com Maria Thomé teve 7 filhos: Antonio, Osmar, Ademir, Ruth, Josué, Edson e Carlos, além de 22 netos. Sua história é a história do Lázaro. No final do ano, quando as praias brilham com a queima dos fogos de artifício, lembra que o Lázaro foi o pioneiro neste tipo de comemoração. “Tudo começou quando a gente queimava pistolões e foguetes defronte ao nosso bar. Depois da primeira vez não parou mais”, afirma. Pode deixar, Seu Peres, a gente vai ver sua cara alegre e iluminada pelos fogos toda virada do Ano Novo.

Texto de Celso Teixeira Leite
https://ubatubense.blogspot.com.br/2010/07/grandes-caicarasperes-e-lazaro-suas.html
fonte : www.ubaweb.com

P.S. “Seu Peres” nos deixou em julho de 2010 com pouco mais de 100 anos (pois seu nascimento foi em início de 1910).